Capacitores dessintonizados para compensação reativa na presença de harmônicos

1. INTRODUÇÃO

Em condições idealizadas, a tensão e a corrente elétricas são senoidais ambas com frequência igual a 60 hertz. Se as condições idealizadas prevalecessem nas instalações, a compensação reativa, ou como é comumente conhecida a correção do fator de potência, seria realizada de modo trivial por uma dentre duas formas possíveis: (1) análise das faturas mensais de energia elétrica, onde seriam coletadas informações de faturamento de energia reativa (kvarh) e de faturamento de demanda reativa (kvar), a partir das quais seriam aplicadas fórmulas para obter a potência do banco capacitivo que elevaria o fator de potência para um valor superior ao limite recomendável 0,92 pelo órgão regulador; (2) esta forma inicia com a colocação em pontos estratégicos da instalação de instrumentos registradores de demandas, de consumo de energia elétrica e de fator de potência, para monitoramento dessas grandezas elétricas durante pelo menos 7 dias (168 horas contínuas), cujos dados coletados serviriam de base para a obtenção da potência dos capacitores com vistas ao atendimento do limite recomendável estabelecido.

No entanto, certas cargas elétricas nas indústrias e nos comércios em geral distorcem a corrente elétrica, apesar de ainda mantê-la periódica, tornando-a constituída de componentes senoidais de frequências múltiplas inteiras de 60 hertz, como por exemplo, 180, 300 e 420 hertz, dentre outras, que são, respectivamente, as ordens 3,

5 e 7. São as chamadas correntes harmônicas, que podem ser medidas por instrumentos microprocessados, designados por analisadores de harmônicos ou simplesmente qualímetros. Tais correntes distorcidas ao se propagarem através das impedâncias dos circuitos da instalação elétrica, acabam também por distorcer a tensão. Cargas eletrônicas ou até mesmo aquelas que possuem interface eletrônica (inversores, retificadores, conversores para acionamento de máquinas, nobreaks etc.), e também cargas e equipamentos que funcionam com base em princípios eletromagnéticos, são as principais responsáveis pela distorção das correntes elétricas. Essas são, de fato, as condições reais normalmente encontradas nas instalações industriais e comerciais atualmente existentes.

Nas condições reais como descritas anteriormente, o dimensionamento de bancos de capacitores para compensação reativa já não pode mais ser feito de forma tão simples quanto os métodos supramencionados. A principal alteração refere-se à coleta de dados, que deve obrigatoriamente incluir a medição das distorções harmônicas e a determinação se existem ou não certas frequências nas correntes harmônicas. De posse dos dados convencionais (demanda, consumo e energia reativa) e das informações sobre harmônicas presentes, o projetista deve tomar decisões para prover a compensação reativa adequada da instalação sob estudo. Adequada significa evitar risco de ressonância entre os capacitores e as indutâncias que caracterizam eletricamente a instalação, afastando a possibilidade de amplificação da distorção harmônica e também prejuízos para a vida útil dos capacitores.

O objetivo deste trabalho é mostrar, com embasamento técnico-científico, como um banco de capacitores dessintonizado deve ser dimensionado para atender tanto os requisitos da compensação reativa quanto prover segurança para a instalação frente aos harmônicos após a instalação de capacitores.

2 . CARGAS QUE PRODUZEM DISTORÇÃO HARMÔNICA

Na atualidade, é muito comum serem encontrados na indústria motores com acionamento eletrônico, seja para a partida quer para operação visando a redução do desperdício de energia elétrica como no caso do emprego de inversores para bombeamento de fluídos em que os motores operam com velocidade variável. Até mesmo as chaves soft-starter quando permanecem ligadas após a partida dos motores podem introduzir distorções nas correntes elétricas. Outros tipos de cargas são os retificadores utilizados para obtenção de corrente contínua, por exemplo, na alimentação de motores CC (utilizados veículos elétricos para cargas) ou para atender as necessidades de certos processos eletroquímicos industriais. Em determinadas atividades industriais, como na têmpera de vidros e na confecção de cerâmicas para pisos e revestimento, os equipamentos responsáveis por essas tarefas, além de serem microprocessados, atuam na onda da tensão elétrica para fins de obtenção do acionamento de velocidade variável e dos níveis de potência necessários à realização do processo. Nos grandes comércios, como shoppings e armazéns, e também em hospitais e clínicas, são encontrados elevadores, escadas rolantes, mesas automatizadas para exames, nobreaks, computadores, sistemas de iluminação e de condicionamento de ar, que utilizam intensivamente conversores eletrônicos de diversos tipos.

Além da eletrônica de potência que congrega os conversores eletrônicos, equipamentos dotados de reatores eletromagnéticos, constituídos de bobinas com núcleos ferromagnéticos em seu interior, como transformadores e similares, são também causadores de distorção harmônica, especialmente quando operam em baixo carregamento.

2.1 INDICADORES DE DISTORÇÃO HARMÔNICA E LIMITES RECOMENDÁVEIS

Dentre os indicadores de distorção harmônica, neste trabalho serão enfatizados a distorção harmônica total de tensão (DTT%) e a distorção harmônica total de corrente (DTI%), que são calculados a partir das componentes fundamental (60 Hz) e harmônicas da tensão e da corrente pela aplicação das definições dadas a seguir:

Distorção harmônica total de tensão percentual (ANEEL, 2018):

Distorção harmônica total de corrente percentual (IEEE, 2014):

Nas expressões (1) e (2), ℎmáx  é a maior ordem harmônica considerada; V1 e  I1 são as componentes fundamentais da tensão e da corrente, respectivamente;  Vh  e  Ih  são as componentes harmônicas da tensão e da corrente, de ordem ℎ, respectivamente.

A IEEE 519 IEEE Recommended Practice and Requirements for Harmonic Control in Electric Power Systems em IEEE (2014) define também o indicador TDD%, que é a distorção harmônica total de corrente percentual assemelhada à definição dada em (1), porém considera como referência a corrente de máxima demanda ao invés da componente fundamental I1. Em IEEE (2014) é recomendado que sejam consideradas as frequências harmônicas até a ordem 50 (ou seja, ℎmáx  ≤ 50). Essa recomendação define ainda a distorção harmônica individual de tensão, que é a relação em porcentagem do valor de uma componente harmônica da tensão, de ordem ℎ, pela tensão fundamental, ou seja, Vh/V1 x 100 (IEEE, 2014).

Em relação aos limites toleráveis, o documento elaborado pela ANEEL, intitulado Procedimentos de Distribuição – PRODIST (módulo 8), em ANEEL (2018), se atem apenas à distorção harmônica total de tensão percentual, DTT%, ou seja, não impõe limites nem para o DTI%  e nem para o TDD%. De acordo com o módulo 8, devem ser realizados 1.008 registros de medições de DTT% em intervalos de 10 minutos na instalação de interesse no decorrer de 168 horas (1 semana). Os dados coletados devem ser analisados estatisticamente observando-se o percentil 95% para aplicação dos limites recomendados, que são dependentes da tensão nominal da instalação. Os limites toleráveis que constam do PRODIST são mostrados na tabela 1.

Tabela 1 – Limites das distorções harmônicas totais (em % da tensão fundamental) (ANEEL, 2018)

O significado dos indicadores na primeira coluna é o seguinte:

  • DTT95%: valor do indicador DTT% (componentes harmônicas a partir de 2) que foi superado em apenas 5% das 1.008 das mediçõesválidas;
  • DTTP95%: valor do indicador DTTP% (componentes harmônicas pares, mas não múltiplas de 3) que foisuperado em apenas 5% das 1.008 das medições válidas;
  • DTTI95%: valor do indicador DTTI% (componentes harmônicas ímpares, mas não múltiplas de 3) quefoi superado em apenas 5% das 1.008 das medições válidas;
  • DTT395%: valor do indicador DTT3% (componentes harmônicas múltiplas de 3) que foi superado emapenas 5% das 1.008 das medições válidas.

Para a aplicação da expressão (1), a máxima ordem harmônica (ℎmáx) deve ser pelo menos 42.

Por exemplo, seja o caso hipotético de uma galeria de lojas atendida pela rede secundária de distribuição em 380/220V. No quadro geral de distribuição desse conjunto de consumidores foram obtidos com um analisador de harmônicas 1.008 registros de medições. A tensão nominal no ponto onde foram realizadas as medições é 380 V. A análise dos dados numa planilha acusou que, dentre os 1.008 valores de DTT%, 80 valores ultrapassaram 10% (limite que consta da tabela 1 para tensão nominal até 1.000 V). Isto posto, 92,1% dos dados estavam dentro do limite tolerável, portanto, não atendendo o PRODIST.

A IEEE 519, por sua vez, estabelece limites para distorção harmônica total tanto de tensão quanto de corrente. A tabela 2 apresenta os limites para tensão em função da tensão nominal do ponto de acoplamento comum, os  quais devem ser considerados para o intervalo de uma semana, com um percentil de 95% com intervalos de 10 minutos.

Tabela 2 – Limites das distorções harmônicas (em % da tensão fundamental) (IEEE, 2014)

O ponto de acoplamento comum, PCC em inglês e PAC em português, é um ponto na rede pública de distribuição, eletricamente mais próximo a uma determinada carga, no qual outras cargas estejam conectadas (IEEE, 2014).

Os limites de TDD% recomendados pela IEEE 519 dependem da relação entre a máxima corrente de curto-circuito  no  PAC  (ICC)  e  a  corrente  de  máxima  demanda  (ID)  à  frequência  fundamental  sob  condições  normais  de operação. Essa relação é aproximadamente os MVA de curto-circuito no ponto de entrega e os MVA nominal de transformadores de uma unidade consumidora. A tabela 3 exibe os limites de TDD% preconizados pela IEEE 519 para instalações com tensões nominais entre 120 V e 161 kV.

Tabela 3 – Limites das distorções harmônicas (em % da corrente de máxima demanda) (IEEE, 2014)

Por exemplo, seja o caso hipotético de uma indústria cujo transformador de entrada tem potência nominal 2 MVA suprida pela rede de distribuição em tensão primária (13,8 kV). No ponto de conexão da indústria, a potência de curto-circuito trifásico é 180 MVA. Conforme os dados da tabela 3, o limite tolerável de distorção harmônica total de corrente é então 12%.

Na análise de distorções harmônicas, uma atenção especial deve ser dedicada aos harmônicos triplos (múltiplos de 3 e ímpares, por exemplo, 3º, 9º e 15º) e também aos harmônicos de ordem par (por exemplo, 2º, 4º, 6º, 8º e 12º).

No Brasil, na prática industrial especialmente nos projetos de compensação reativa, apesar do PRODIST não estabelecer limites para a distorção harmônica total de corrente, é comum adotar-se o valor 10% para DTI%. Do ponto de vista prático, uma distorção harmônica total de tensão superior a 3% já é tomada como alerta.

3. RESSONÂNCIA PARALELA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Os equipamentos, como cabos elétricos e transformadores, bem como as cargas elétricas em sua grande maioria, por exemplo, os motores, são indutivas, já que operam por princípio eletromagnético. Do ponto de vista de circuitos elétricos, esses equipamentos e cargas podem ser representadas por impedâncias da forma ZS = RS + jXS, em que a reatância XS é positiva e cujo valor aumenta com o aumento da frequência. O banco de capacitores, por sua vez,  possui  impedância  capacitiva,  da  seguinte  forma:  ZC  = -jXC ,  sendo  o  valor  XC  varia  inversamente  com  a frequência f. A combinação paralela dessas impedâncias vista a partir de um determinado ponto da instalação, designada por Zeq(f), à medida que a frequência aumenta (assim como ocorre com as frequências das componentes harmônicas, que quanto maior for sua ordem, maior será sua frequência), conduz à impedância equivalente tal que, para uma certa frequência, o valor dessa impedância é elevado fazendo surgir um ‘pico’ no gráfico de |Zeq(f)| versus f. A frequência para a qual ocorre este ‘pico’ denomina-se frequência de ressonância, denotada por fr.

A ocorrência da ressonância por si só não traria qualquer problema se não existissem correntes harmônicas circulando pela instalação. No entanto, já que uma considerável parcela das instalações industriais e comerciais apresenta distorções harmônicas, a ressonância paralela pode trazer sérias consequências para os equipamentos. Dentre as consequências práticas da ressonância paralela tem-se: elevação da tensão no ponto de conexão do capacitor, podendo ser tão alta a ponto de sobrecarregar o banco, que normalmente tem suportabilidade limitada (geralmente no máximo 110% do valor nominal); amplificação da corrente cuja componente harmônica tenha frequência coincidente com a frequência de ressonância, a qual é injetada no sistema industrial, podendo sua intensidade ser mais elevada que aquela gerada pela fonte de harmônicos. Diante do exposto, tanto para a preservação da integridade do banco de capacitores quanto pela necessidade de limitar as harmônicas circulantes na instalação elétrica industrial, a ressonância paralela deve sempre ser evitada.

4. BANCO DE CAPACITORES DESSINTONIZADO

Se para um determinado projeto de compensação reativa, a análise de harmônicos revelar que existem distorções harmônicas em níveis considerados elevados (as normas existentes recomendam limites aceitáveis em função da tensão nominal da instalação), a recomendação técnica consolidada estabelece que bancos de capacitores não devem ser instalados sem implementar salvaguardas essenciais (BREE, 2019). Dentre as soluções, destaca-se o emprego de bancos de capacitores dotados de reatores de dessintonia.

O objetivo deste trabalho é mostrar como é implementada a dessintonia do banco de capacitores e em quais situações esta solução deve ser aplicada.

Em instalações de unidades consumidoras supridas em média tensão é usual que os capacitores sejam conectados em triângulo. Os reatores de dessintonia são inseridos, em cada fase, em série com a configuração triângulo. A figura 1 ilustra como são as conexões sem e com os reatores.

Figura 1 – Conexão triângulo dos capacitores e a inserção dos reatores de dessintonia

Uma vez detectada a frequência da ressonância paralela, os reatores devem ter seus valores calculados de forma a dessintonizar o conjunto instalação-capacitor, afastando o risco de ressonância. A seguir são apresentados os procedimentos de cálculo.

4.1 ANÁLISE E DIMENSIONAMENTO

Supondo-se que a frequência ressonante sistema-banco seja Fr, expressa em hertz, reatores devem ter suas reatância por fase calculada para uma frequência próxima, normalmente inferior a Fr, porém não coincidente com nenhuma das frequências de harmônicas existentes na instalação. A determinação da frequência para a qual a ressonância ocorre deve ser obtido utilizando um programa de cálculo de fluxo harmônico. Neste tipo de programa, os componentes do circuito, como cabos, transformadores e cargas, têm suas impedâncias à frequência fundamental redefinidas para as frequências harmônicas.

Na falta de um programa de fluxo harmônico, uma aproximação da frequência de ressonância paralela em hertz pode ser obtida pela aplicação da expressão (3).

Mvar: potência em Mvar do banco de capacitores dimensionado sem a consideração de harmônicos;

MVACC: potência de curto-circuito trifásico em MVA no ponto de entrega;

MVAT: potência em MVA do transformador da unidade consumidora na qual se deseja instalar o banco;

Z%: Impedância percentual do transformador.

Se a frequência de ressonância coincidir ou for próxima de uma das frequências harmônicas existentes na instalação, então há risco de ressonância paralela.

Por exemplo, seja o caso hipotético de uma indústria que possui um transformador de 2 MVA, impedância percentual de 6%, e está conectada à distribuidora num ponto de entrega em que a potência de curto-circuito trifásico é 500 MVA. Os cálculos preliminares de dimensionamento da compensação reativa indicaram que a potência do banco de capacitores é 660 kvar. Supondo-se que as medições das distorções harmônicas acusaram a presença da frequência harmônica igual a 420 hertz, dentre outras, pergunta-se se há risco de ressonância paralela? Ao aplicar a expressão (3) obtém-se 412,9 hertz. Este valor é muito próximo da frequência de uma componente harmônica detectada na instalação. Portanto, há risco de ressonância paralela.

O procedimento para dimensionamento do banco dessintonizado pode ser resumido nos seguintes passos descritos a seguir:

  1. Determinara potência efetiva necessária (kvar) do banco de capacitores para obter o fator de potência desejado;
  2. Projetar os steps de capacitores de modo que a sensibilidade dos bancos fique em torno de 15 a 20% do total da potência disponível;
  3. Selecionaro banco com valores padronizados de potência efetiva (kvar) de passos, preferencialmente múltiplos de 25 kvar;
  4. Medir harmônicas de corrente no principal cabo alimentador do sistema sem capacitores, em todas as possíveis condições de  Determinar frequência e máxima amplitude para cada harmônica que possa existir e calcular a DTI%;
  5. Medir a presença de harmônicas de tensão que possam vir de fora do seu sistema, se possível medir em alta tensão e calcular aDTT%.

Uma vez de posse dos dados de distorções harmônicas, a análise a seguir deve ser efetuada. Caso a DTI% seja superior a 10% ou a DTT% maior que 3%, um banco de capacitor dessintonizado deve ser empregado. Em caso contrário, a compensação reativa convencional pode ser empregada, porém, selecionando-se capacitores fabricados para instalações que têm harmônicas (por exemplo, capacitores com dielétrico mais apropriado para distorções harmônicas) e também capacitores com tensões nominais mais elevadas que a tensão nominal da barra onde o banco será instalado. Por outro lado, se as medições revelarem distorções harmônicas total da tensão muito elevadas, normalmente,DTT% maior que 10%, significa que a instalação requer projeto de filtro sintonizado ou amortecido.

Para dimensionar os reatores de dessintonia, os seguintes cálculos devem ser efetuados.

Primeiramente, a partir da potência do banco obtida como se não existissem harmônicas na instalação (aqui indicada por Mvar) obtém-se a reatância dos capacitores por fase, em Ω:

A reatância obtida em (4) é por fase, para capacitores ligados em Δ, conforme ilustra a figura 1.

Para calcular o reator de dessintonia aplica-se a fórmula (5) a seguir. A reatância do reator por fase, em Ω, obtida para a configuração mostrada na figura 1, é uma porcentagem da reatância do banco de capacitores, designada por p%.

A porcentagem p% guarda uma relação com a frequência de dessintonia, designada por fS. Esta frequência é selecionada normalmente a um valor próximo e ligeiramente menor que a frequência de ressonância paralela, sendo obtida pela expressão (6) em hertz.

A tabela 4 apresenta valores usuais para a porcentagem p%.

Tabela 4 – Tamanho percentual do reator para diferentes frequências de ressonância

Os passos e as expressões apresentados anteriormente permitirão obter o banco de capacitores que atenderá os requisitos de compensação e simultaneamente afastará o risco de ressonância paralela entre os capacitores e as indutâncias da instalação. Se for corretamente dimensionado, o pico no gráfico da impedância em módulo versus frequência mencionado na seção 3 não mais aparecerá, caso as condições de projeto sejam mantidas.

Há que ressaltar que, após a inserção dos reatores nas fases tal como ilustra a figura 1, a potência reativa líquida total injetada pelo banco dessintonizado é diferente do valor obtido inicialmente (vide o passo 1). O aumento dos kvar, em porcentagem, é próximo da porcentagem utilizada para obter a reatância do reator. A potência reativa líquida total em Mvar pode ser calculada pela expressão (7) que fornece uma aproximação do valor real injetado.

Em (7), os valores XL e XC devem ser expressos em Ω referidos à tensão da barra da instalação, que deve entrar na fórmula em kV, sendo os mesmos valores utilizados nas expressões (4) e (5). A análise desenvolvida nesta seção toma por base a configuração da figura 1, ou seja, os reatores por fase, de reatância XL, são inseridos em série com a ligação em triângulo dos capacitores cuja reatância em valor absoluto, por fase, é  XC    .

Um ponto importante que merece destaque refere-se à seleção dos capacitores do banco dessintonizado. Tendo claro que as descargas parciais no dielétrico do capacitor (correntes de fuga que se estabelecem entre placas), se tornam mais acentuadas quanto maior a tensão e o conteúdo harmônico circulante, podendo reduzir a vida útil do dielétrico (Garcia, 2001), o capacitor selecionado deve ter suportabilidade em tensão maior que a tensão nominal da barra. A expressão (8) fornece uma aproximação para a tensão a qual estarão submetidos os capacitores.

Nessa fórmula, a notação kV é a tensão nominal de placa do capacitor e p% é a mesma grandeza que aparece em (5).

Por exemplo, se o banco de capacitores for dimensionado para uma barra cuja tensão nominal é 440 V, e o reator foi projetado para p% de 2,75%, então, os capacitores devem ser selecionados para suportarem tensão em regime permanente de pelo menos 453 V. A indicação é selecionar no catálogo do fabricante aquele capacitor cujo dielétrico tenha suportabilidade de tensão mais alta que 440 V e não inferior a 453 V. Normalmente, os capacitores de potência suportam permanentemente 110% do valor da tensão de placa, mas comercialmente existem capacitores com dielétricos especiais para operação na presença de distorções harmônicas.

Na seção subsequente é apresentado um exemplo numérico.

 

5. EXEMPLO PRÁTICO

Seja um sistema elétrico industrial cujo diagrama unifilar simplificado está ilustrado na figura 2.

Figura 2 – Diagrama unifilar do sistema elétrico

Os dados mostrados no diagrama da figura 2 são:

500 MVA; < 90° : potência de curto-circuito trifásico no ponto de entrega, módulo e ângulo;

2 MVA; 6%: potência nominal do transformador da indústria e sua impedância percentual;

200 m; 0,09 + j0,1 Ω/km: dados do cabo elétrico que liga o secundário do transformador ao alimentador das cargas;

1,8 MVA; 0,8 indutivo: carga da indústria em MVA e seu fator de potência (uma certa condição de demanda);

0,66 Mvar: potência reativa dos capacitores obtida sem considerar distorções harmônicas, na barra de 380 V;

13,8; 0,38kV: tensões nominais de linha primária e secundária do transformador e nas barras da indústria.

 

Além dos dados, medições realizadas sob diversas condições de carga acusaram valores de distorção harmônica total de tensão de 2% e a distorção harmônica total de corrente, em determinados momentos, superou 10%. As medições mostraram também a presença de 5ª e 7ª harmônica.

De posse dos dados dos equipamentos e da carga, uma análise harmônica da instalação foi realizada, considerando os modelos dos componentes elétricos e sua variação com as frequências harmônicas. A figura 3 mostra o gráfico da impedância harmônica da instalação tal como vista a partir da barra onde se pretende instalar o capacitor.

Figura 3 – Módulo da impedância versus frequência tal como vista da barra onde será instalado o capacitor (vide figura 2)

A notação ℎ é para a ordem harmônica, múltiplo inteiro do 60 hertz, cujos valores até a 21ª estão representados; no eixo das ordenadas, as impedâncias estão em por unidade de 100 MVA. O passo seguinte da análise harmônica considera o efeito da combinação da reatância do capacitor com os elementos indutivos da instalação e o equivalente da concessionária. A figura 4 mostra o gráfico da impedância harmônica da instalação tal como vista a partir da barra do capacitor levando em conta o efeito do capacitor.

Figura 4 – Módulo da impedância versus frequência tal como vista da barra considerando o efeito do capacitor

Na figura 4 observa-se o pico no gráfico do módulo da impedância e também que este máximo ocorre na 7ª harmônica, isto é, na frequência 420 hertz. Portanto, como a medição mostrou que há componente harmônica de frequência coincidente circulante no sistema, então há risco de ocorrência de ressonância paralela se o banco de capacitores (‘puro’ – composto apenas por capacitores) for instalado neste circuito. Para obtenção da figura 4, visando ser mais realista, o fator de dissipação do capacitor foi considerado na modelagem igual a 0,2 W/kvar.

O passo seguinte consiste em dimensionar o reator para ser inserido em série com os capacitores ligados em triângulo. Para tal, a tabela 4 é consultada e verifica-se que para a ressonância em 420 hertz há duas opções de p%, sendo que se for escolhido 2,75%, a frequência de dessintonia será igual a 362 hertz, enquanto para 3%, a frequência de dessintonia será igual a 346 hertz. Os resultados do dimensionamento estão mostrados na tabela 5.

Tabela 5 – Resultados do dimensionamento para dois valores de p%

De modo arbitrário, seleciona-se p% = 2,75%. Nesta condição, os capacitores do banco dessintonizado devem ser selecionados para a tensão nominal de placa de 380 V, porém devem possuir suportabilidade dielétrica para tensões permanentes de pelo menos 390,75 V.

A figura 5 mostra o gráfico da impedância harmônica da instalação tal como vista a partir da barra do capacitor levando em conta o efeito da dessintonização do banco.

Figura 5 – Módulo da impedância versus frequência tal como vista da barra considerando o efeito da dessintonização do banco com o emprego de reator

Da análise do gráfico da figura 5 é possível ver que o pico que estava presente no gráfico da impedância da figura precedente não mais existe. Isto significa que a dessintonização do banco de capacitores propiciada pelos reatores que foram dimensionados eliminou o risco de ressonância paralela sem prejuízo da compensação reativa.

 

6. CONCLUSÕES

Com este trabalho, primeiramente procurou-se enfatizar a diferença de elaborar um projeto de compensação reativa para uma instalação que não apresenta distorções harmônicas, situação praticamente improvável de ser encontrada na prática, e a compensação reativa para instalações onde há distorções harmônicas. Como solução para a compensação reativa sob certos níveis de distorção harmônica, em que o conteúdo das harmônicas na instalação é conhecido, abordou-se a dessintonização dos capacitores do banco.

Banco de capacitores dessintonizado consiste essencialmente do dimensionamento de reatores em série com capacitores visando evitar o risco de ressonância paralela, trazendo também benefícios para a redução da distorção harmônica total. Este trabalho apresenta passo a passo o dimensionamento do reator de dessintonia.

Alguns aspectos importantes analisados devem ser ressaltados: a introdução do registro das distorções harmônicas com instrumentos adequados (analisadores de harmônicas) no projeto de compensação reativa e a consequente análise computacional do circuito da instalação elétrica junto com o equivalente da rede elétrica supridora, considerando os cenários antes e após a implantação da compensação reativa, e também a análise do efeito causado pela elevação da tensão sobre os capacitores do banco dessintonizado.

O texto aborda de forma didática, inclusive apresentando expressões simplificadas e de fácil aplicação, os passos do projeto de compensação reativa com banco de capacitores dessintonizado. Ao final, é apresentado um exemplo numérico que trata de uma situação que é bem próxima de um caso do mundo real.

A principal conclusão é que, dispondo de instrumentação apropriada e de uma ferramenta computacional de análise de harmônicos, a aplicação de capacitores dessintonizados consiste de procedimentos relativamente simples, porém exige certos conhecimentos do engenheiro projetista. Esta solução tecnológica é na atualidade bastante difundida no Brasil e sua aplicação nas indústrias é disponibilizada comercialmente por empresas especializadas tanto em eficiência energética quanto em qualidade de energia elétrica.

Por fim, não se admite mais que a compensação reativa, também conhecida por correção do fator de potência, seja realizada como se não existissem harmônicas nas instalações industriais e comerciais, sob pena de incrementar as distorções harmônicas pré-existentes, reduzir a vida útil dos capacitores e até mesmo aumentar os custos de manutenção com a substituição de capacitores.

Está na hora de revisar. Vamos lá?!

O que é dessintonização de capacitores?

A dessintonização de capacitores é uma técnica utilizada para evitar a ressonância dos capacitores empregando reatores de dessintonia.

Qual a importância da dessintonização do banco de capacitores?

O banco de capacitores é dessintonizado para evitar o risco de ressonância, afastando a possibilidade de amplificação da distorção harmônica e também prejuízos para a vida útil dos capacitores.

Como é feita a dessintonização dos capacitores?

Reatores de dessintonia são inseridos, em cada fase, em série com a configuração triângulo dos capacitores. Uma vez detectada a frequência da ressonância paralela, os reatores devem ter seus valores calculados de forma a dessintonizar o conjunto instalação-capacitor, afastando o risco de ressonância.

Autor:

Antônio César Baleeiro Alves
Professor Dr. titular aposentado UFG
Consultor em Engenharia Elétrica
E-mail: [email protected]

 

Referências

(ANEEL, 2018) Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST. Módulo 8. Revisão 10, 2018.

 

(BREE, 2019) Brazilian Energy Efficiency – BREE.  e https://bree.com.br/o-que-e-um-filtro-de-harmonicas-na-rede-letrica/. Acesso em dezembro/2019.

 

(Garcia, 2001) Flávio Resende Garcia. Cálculo da perda de vida útil de capacitores em função da distorção harmônica existente nas redes de distribuição de energia elétrica. Porto Alegre. Anais do IV SBQEE. 12 a 17 de agosto/2001. 6p. (IEEE, 2014) IEEE 519 IEEE Recommended Practice and Requirements for Harmonic Control in Electric Power Systems. New York, 2014. 29 pp.